Corte no financiamento à tecnologia mRNA é visto por especialistas como retrocesso científico, com impacto global. Governo quer priorizar vacinas de vírus inativado, consideradas menos eficazes e mais limitadas para grupos vulneráveis
A decisão do governo dos Estados Unidos de encerrar o financiamento a vacinas de RNA mensageiro (mRNA) gerou forte reação da comunidade científica e preocupa pesquisadores de diversas áreas, da infectologia à oncologia. O corte foi anunciado pela gestão de Donald Trump como parte de uma mudança de foco para “plataformas mais seguras”, como as vacinas de vírus inativado — tecnologia mais antiga e considerada ultrapassada por muitos especialistas.
A medida pode atrasar ou interromper dezenas de pesquisas promissoras contra doenças como câncer, HIV, Zika e o vírus sincicial respiratório, além de representar um golpe à preparação global para novas pandemias.
Trump quer retorno a vacinas de vírus inativado
As vacinas de vírus inativado são produzidas a partir do vírus real, que é cultivado em laboratório e posteriormente “morto” por processos químicos ou físicos. Esse método, usado em imunizantes como o da poliomielite, tem a vantagem de ser mais barato e fácil de armazenar. No entanto, gera uma resposta imunológica mais fraca e exige doses de reforço frequentes.
Já as vacinas de RNA mensageiro representam um salto tecnológico. Elas não contêm o vírus, mas sim uma sequência de RNA com instruções para que o organismo produza uma proteína semelhante à do patógeno, ativando o sistema imunológico.
Além de mais eficazes, as vacinas mRNA são consideradas mais seguras, especialmente para pacientes vulneráveis. E oferecem outra vantagem: a possibilidade de personalização, o que abre caminho para aplicações além das doenças infecciosas — como o câncer.
Vacinas de mRNA foram decisivas no controle da covid-19
Durante a pandemia de covid-19, as vacinas de mRNA, como as desenvolvidas pelas farmacêuticas Pfizer e Moderna, permitiram uma resposta rápida e eficaz à emergência sanitária. Elas foram produzidas em tempo recorde, apresentaram alto índice de eficácia e ajudaram a reduzir hospitalizações e mortes em todo o mundo.
Mesmo com esse histórico, o governo Trump insiste em alegações sobre a segurança dos imunizantes — o que, para especialistas, reflete uma agenda política alinhada ao movimento antivacina e não baseada em evidências científicas.
Vacinas contra câncer em risco: mais de 120 estudos podem ser afetados
A decisão afeta diretamente uma das frentes mais promissoras da medicina: as vacinas terapêuticas contra o câncer. Segundo Stephen Stefani, oncologista da Oncoclínicas e da membro da Americas Health Fundation, há mais de 120 estudos clínicos em andamento com mRNA para tratar tumores como:
· Melanoma.
· Câncer de pulmão.
· Glioblastoma.
· Próstata.
· Pâncreas.
Ao contrário das vacinas tradicionais, essas são aplicadas após o diagnóstico, como parte do tratamento. Elas identificam mutações específicas do tumor e ensinam o sistema imunológico do paciente a combatê-lo de forma personalizada.
O que pode acontecer agora?
Ainda não se sabe se os estudos em andamento serão imediatamente interrompidos ou se o corte afetará apenas novos projetos. Mas o risco existe — e preocupa.
“Se um paciente está com a doença controlada e o centro de pesquisa perde o financiamento, o tratamento pode ser suspenso”, alerta Moura.
Fonte/Reprodução: g1
Foto: GETTY IMAGES via BBC